No dia 7 de setembro de 1822, às margens do rio Ipiranga, o príncipe regente Dom Pedro I, o primeiro imperador do Brasil, bradou: “Independência ou morte!” Montado em um alazão, ele foi acompanhado por sua comitiva, que brandiu espadas e tirou chapéus. Esse momento marcou a libertação do Brasil do domínio português, uma cena imortalizada no famoso quadro de Pedro Américo. Mas será que o episódio do grito aconteceu exatamente assim? Esse instante realmente garantiu a independência do Brasil? Se você está curioso para descobrir mais sobre esse processo crucial na formação do país, continue lendo este artigo.
“Independência ou Morte”, quadro pintado por Pedro Américo
Aclamação de D. João VI no Rio de Janeiro, Jean-Baptiste Debret.
Em 1808, no fervor das Guerras Napoleônicas, o Reino de Portugal, governado por Dom João VI, foi ameaçado pelo imperador francês Napoleão Bonaparte. Com medo do poderoso exército napoleônico, Dom João foi obrigado a tomar uma decisão difícil. Ele optou pela fuga de diversas figuras importantes da sociedade portuguesa, como nobres e militares, além da transferência de todos os artigos pertencentes à Coroa Portuguesa e o dinheiro dos cofres do país. Com isso, Portugal foi deixado à mercê, enquanto o Brasil recebia o privilégio de se tornar sede da Coroa Portuguesa.
Após o término das Guerras Napoleônicas, com a derrota definitiva de Napoleão em Waterloo e o Congresso de Viena em 1815, a corte portuguesa não tinha mais motivo para permanecer no Brasil. Nesse contexto, com Portugal arrasado e sob a guarda dos ingleses, o povo e alguns militares portugueses remanescentes exigiam o retorno da corte portuguesa e a volta do Brasil à condição de colônia. Esse levante ficou conhecido como a Revolta Liberal do Porto, ocorrida em 1820, e foi crucial para a independência do Brasil.
Com isso, o primeiro objetivo dos revoltosos foi alcançado, mas Dom Pedro I permaneceu no Brasil. O segundo objetivo dos revoltosos acabou por aumentar o desejo de independência do Brasil. Após o Dia do Fico, que ocorreu em 9 de janeiro de 1822, a independência do Brasil tornou-se inevitável.
“A Proclamação da Independência” – François-René Moreau(1807-1860)
Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, durante uma viagem a São Paulo. Ele estava com trajes sujos e sofrendo de um desarranjo intestinal devido a algo que comeu em Santos. Ao receber três cartas de José Bonifácio, do cônsul britânico no Rio de Janeiro e de sua esposa, Maria Leopoldina, Dom Pedro ficou furioso. Segundo o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, ele pisou nas cartas e perguntou: “E agora, padre Belchior?”. As cartas o pressionavam a decidir entre lutar pela independência ou retornar a Portugal e enfrentar possíveis consequências severas. Isso levou Dom Pedro a declarar a independência do Brasil com o famoso “Grito do Ipiranga”
Sessão do Conselho de Estado de Georgina de Albuquerque.
Dom João VI, nascido em 13 de maio de 1767, foi o rei de Portugal e do Brasil. Tornou-se príncipe regente em 1799 devido à doença mental de sua mãe, a rainha Maria I, e foi aclamado rei em 1818 após sua morte.
Com a ameaça das invasões napoleônicas em 1807, Dom João VI transferiu a corte para o Brasil. A comitiva chegou a Salvador em janeiro de 1808 e depois se estabeleceu no Rio de Janeiro. Essa mudança foi histórica, pois pela primeira vez uma colônia sediou a corte de um império europeu.
Durante sua permanência no Brasil, Dom João VI tomou medidas que impulsionaram o desenvolvimento do país, como a abertura dos portos ao comércio para as nações amigas do reino, a criação do Banco do Brasil e a fundação da Academia Real Militar, além de ter patrocinado a missão artística francesa para o Brasil. Essas ações modernizaram a economia e a infraestrutura e a cultura do país preparando o caminho para a independência.
Em 1821, Dom João VI foi obrigado a voltar para Portugal, para concluir a demanda dos portugueses na Revolução do Porto(1820), mas ele estrategicamente deixou seu filho, Dom Pedro I, como regente nas terras brasileiras, pois temia perder o trono devido ao episódio que aconteceu na sua terra. Em 1822, Dom Pedro proclamou a independência do Brasil com o “Grito do Ipiranga”. As reformas e instituições estabelecidas por Dom João VI foram fundamentais para a autonomia do país.
Retrato de Dom João IV pintado por Domingos António de Sequeira feita em 1803
Dom Pedro I, nascido em 12 de outubro de 1798 no Palácio de Queluz, é uma figura controversa na história do Brasil e de Portugal. Ele desempenhou papéis importantes em ambos os países, participando da Guerra Civil Portuguesa (1820-1823) e liderando o processo de Independência do Brasil. Com uma personalidade forte e autoritária, Dom Pedro I também era conhecido por sua vida pessoal tumultuada, incluindo relatos de infidelidade em relação à sua primeira esposa, Maria Leopoldina, e envolvimentos em negócios paralelos.
Mesmo com os conselheiros de João VI advertindo o monarca para afastar seu filho da política, Dom Pedro I participou ativamente da criação do novo país. Com a Revolta Liberal do Porto, ele se tornou regente do Brasil após uma jogada estratégica de seu pai. Dom Pedro I começou a se cativar pela independência brasileira e recusou qualquer tentativa das cortes de levá-lo de volta a Portugal. Isso ficou claro no Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822.
No dia 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I declarou a independência do Brasil e, em 1 de dezembro de 1822, foi coroado imperador, marcando o início do Primeiro Reinado no Brasil.
José Bonifácio de Andrada e Silva, nascido em 13 de junho de 1763 em Santos, São Paulo, é amplamente reconhecido como Patriarca da Independência do Brasil. Ele foi um homem altamente intelectualizado e desempenhou um papel crucial na formação do Brasil como nação independente.
Em 1783, José Bonifácio partiu para a Universidade de Coimbra, em Portugal, onde a elite brasileira frequentemente se formava. Lá, ele se graduou em Matemática e Filosofia. Devido ao seu desempenho acadêmico brilhante, ele recebeu bolsas para estudar Química e Mineralogia em outros países europeus. Durante seu tempo na Europa, ele se tornou membro de várias sociedades científicas importantes e foi nomeado secretário da Academia de Ciências de Lisboa.
José Bonifácio retornou ao Brasil em 1819 e rapidamente se envolveu na política. Ele se tornou um dos principais conselheiros de Dom Pedro I e desempenhou um papel fundamental na articulação da independência do Brasil. Junto com Maria Leopoldina, que era sua grande amiga, ele arquitetou a independência do Brasil, oficializando-a em documentos e ajudando na fundação do novo país.
Além de seu papel na independência, José Bonifácio também foi um defensor da abolição da escravidão e da promoção da educação e ciência no Brasil. Ele acreditava que a educação era essencial para o desenvolvimento do país e trabalhou para estabelecer instituições de ensino superior.
José Bonifácio faleceu em 6 de abril de 1838, em Niterói, Rio de Janeiro, mas seu legado como um dos principais arquitetos da independência brasileira continua a ser celebrado até hoje.
José Bonifácio de Andrada e Silva
Retrato pintado por Oscar Pereira da Silva
Pintor brasileiro (1867-1939)
Maria Leopoldina nasceu em 22 de janeiro de 1797, sendo a terceira filha do Imperador da Áustria, Francisco I. Ela foi a primeira esposa de Dom Pedro I e desempenhou um papel crucial na construção do Brasil como nação.
Para estabelecer uma aliança entre as casas Habsburgo e Bragança, Maria Leopoldina casou-se por procuração com Dom Pedro I. Apaixonada pela natureza, trouxe para o Brasil vários cientistas austríacos que estudaram a fauna e a flora brasileiras.
Durante seu casamento, deu à luz sete filhos com Dom Pedro I, dois dos quais se tornaram soberanos: Dona Maria II, rainha de Portugal, e Dom Pedro II, imperador do Brasil. Junto com José Bonifácio, ela foi responsável por oficializar a independência brasileira.
Inicialmente, o casal viveu em harmonia, mas com o tempo, as infidelidades de Dom Pedro I tornaram-se cada vez mais evidentes. A gota d’água foi o relacionamento entre Dom Pedro I e Domitila de Castro, nomeada Marquesa de Santos. Longe de escondê-lo, Dom Pedro I instalou toda a família de sua amante perto da residência oficial, o Palácio de São Cristóvão.
As sucessivas gestações e o desgosto causado por essa situação agravaram a saúde da Imperatriz Leopoldina. Seu falecimento, em 11 de dezembro de 1826, causou uma enorme comoção popular, e seu enterro foi seguido por milhares de pessoas.
“Dona Leopoldina” – Luis Schalappriz
A Guerra de Independência do Brasil, que durou de fevereiro de 1822 a novembro de 1823, levou à separação do Brasil de Portugal. Durante esse período, nem todas as províncias permaneceram leais ao novo governo brasileiro. Por exemplo, o Grão-Pará e o Maranhão apoiaram a Coroa Portuguesa. Em outras regiões, como a Bahia e Mato Grosso, houve conflitos entre portugueses e brasileiros. Além das tropas brasileiras, estrangeiros, como mercenários estadunidenses e europeus, também lutaram pela independência do Brasil. Pierre Labatut e Thomas Cochrane são dois dos mercenários mais famosos que ajudaram na defesa do Brasil.
Batalha do Jenipapo
Representação da batalha do Jenipapo pintura de Artes Paz.
A Batalha de Jenipapo, em 13 de março de 1823, foi uma das mais sangrentas da Guerra da Independência do Brasil. Ocorreu às margens do rio Jenipapo, no Piauí. Nela, 3,6 mil brasileiros, incluindo vaqueiros, roceiros, índios e escravos libertos que lutaram sem treinamento militar, usando facões, machados, foices, porretes, enxadas, armas de caça e até arcos e flechas. Eles enfrentaram as tropas portuguesas, lideradas pelo Major João José da Cunha Fidié, que estavam bem treinadas e equipadas com 11 canhões.
Mesmo com a derrota militar e as grandes perdas do lado brasileiro, a resistência dos brasileiros foi essencial para enfraquecer a presença portuguesa na região e consolidar a independência do Brasil. A batalha evidenciou a coragem e determinação dos combatentes brasileiros, que lutaram bravamente, apesar da desvantagem.
Batalha do Pirajá
Batalha de Pirajá, pintado por Carybé(1911-1997)
No dia 8 de novembro de 1822, a Batalha de Pirajá foi crucial para a Guerra da Independência do Brasil. As tropas brasileiras, lideradas por Pierre Labatut, estavam cercando Salvador, enquanto as forças portuguesas decidiram atacar as posições brasileiras no recôncavo baiano. Mesmo em menor número e praticamente derrotados, o corneteiro Lopes recebeu ordens de tocar a retirada, mas tocou um toque falso de “avançar e degolar”. Isso fez com que os portugueses pensassem que reforços estavam chegando, levando-os a recuar desordenadamente. Esse erro permitiu aos brasileiros avançar e garantir uma série de vitórias, culminando na expulsão dos portugueses da região com a chegada do almirante Thomas Cochrane.
Pintura “A Pátria” de Pedro Bruno(1888-1949), 1919.
Após a Guerra de Independência, o Brasil precisava se firmar no cenário internacional. Em 1824, os EUA foram o único país das Américas a reconhecer o Brasil como país soberano, mas isso não bastava. A Inglaterra, antiga aliada de Portugal, ajudou a intermediar o Tratado de Paz, Amizade e Aliança entre Brasil e Portugal, oficializado em 29 de agosto de 1825. Portugal reconheceu a independência do Brasil, mas exigiu uma indenização de dois milhões de libras esterlinas.
O Brasil, recém-formado, não tinha condições de pagar essa quantia. A Inglaterra então emprestou os recursos necessários. Curiosamente, o dinheiro não saiu da Inglaterra, pois os portugueses usaram o empréstimo para pagar uma dívida equivalente com credores ingleses.
Depois desse acordo, vários países reconheceram o Brasil e iniciaram relações diplomáticas e econômicas com o novo país.